TEATRO
bis
06.12 a 02.02.03A situação de um homem e uma mulher deitados em uma cama, cada um embalado por seus respectivos sonos, sonhos e insônias, é apenas um ponto de partida em Bis, um espetáculo que transcende o microcosmo de uma relação qualquer, para alcançar a densidade e a profundidade de todas as relações binárias no universo da aventura humana.
Essa espacialização cósmica do território circunsctrito dos lençóis, e de todas as suas manchas, talvez não estivesse cristalina no texto escrito por Luiz Cabral, mas já estava lá em potência, na indeterminação de contexto e na nudez de qualquer coberta psicológica. Coube, porém, a Beth Lopes, concretizar em três dimensões, e temporalizar no limbo da caixa cênica, aquela relação de palavras ocas, aqueles diálogos traçados no vácuo. A encenadora, contando com o vigor e o talento de dois jovens atores, traçou um movimento de corpos e de pulsões ao mesmo tempo rigoroso e anárquico. Em camadas de ações superpostas e de cenários luminosos trança-se uma colcha de sentidos. Não há uma leitura necessária mas o que se lê aparece na inexorabilidade do duplo como metáfora da vida. A célula que se parte e se multiplica sendo sempre a mesma essência em nova aparência, a repetição como a sina do homem e do teatro, Bis é uma alegoria do mesmo, um sobressalto diante da unidade impossível. Mas há um gesto lírico, um discurso de vômito e de cansaço que se pega brincando de esconder.
Revê-se o circo da cama em plano metafísico, colhendo aspectos plásticos do canibalismo, do patético explícito e de outras aberrações que rolam dentro das quatro linhas. Essa massa sonora de discursos subjetivos revela-se, contudo, mero plano de fundo de fluxo menos óbvio. O que vai e vem nesse campo sem arbitragem, para além do ridículo e da ironia, são esboços de seres, personagens primos dos velhos primatas que esperavam Godot. Soam como reaparições daqueles pioneiros, trazendo em suas falas fugazes o gene da abstração sulfúrica, que derrete os sentidos antecedentes e posteriores com a mesma precisão. Verdade que o relacionamento com as imagens gravadas acaba enlaçando-os no roteiro de um triste destino. Mas, ao final de tudo, é na transfiguração e na perda de contornos que o projeto se funda, e se reparte mais uma vez.
LUIZ FERNANDO RAMOS
FICHA TÉCNICA
Luiz Cabral texto
Beth Lopes direção
Clarissa Kiste e Kiko Bertholini elenco
Marcelo Pellegrini trilha sonora
Wagner Pinto iluminação
Aline Santine assistente de iluminação
Lú Carion preparação corporal
Dudu Bertholini figurino
Alex Pinheiro assistente de figurino
Rita Comparato desenvolvimento de figurino
Fabio Gurjão tingimentos
Hilda de Oliveira costureira
Dácio Pinheiro vídeos
Kleber Matheus design gráfico
Sílvia Fernandes, Eduardo Inagaki agradecimentos