KOMPANHIA
Aguáh - o espírito das águas
2009Imagine que as águas da Terra ficaram doentes. Não molham mais, não matam a sede e estão vermelhas. Tudo isso porque o seu espírito, o Aguáh, havia abandonado o mundo. Desgostoso com os maus tratos recebidos pelos seres humanos, ele decidira se refugiar na pátria do Povo Sapo, a última grande floresta preservada do planeta, situada em algum lugar secreto nos arredores da Represa Guarapiranga (SP). Para trazê-lo de volta, era preciso que uma coletividade de crianças o encontrasse, até porque o cientista Doutor Presérvus Águs, que saíra em seu encalço, também desaparecera.
Com instalações e cenários especialmente criados, veredas e picadas abertas no meio da mata, o espetáculo foi encomendado pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo. Ao longo de todo o ano letivo, totalizou duzentas apresentações e atraiu oito mil estudantes de oito a dez anos da rede municipal de ensino, além de 250 docentes. Por meio do contato direto com a natureza, eles aprendiam de forma lúdica conceitos, princípios e valores ambientais.
A expedição já começava na sala de aula, quando recebiam informações e material didático especialmente produzido, sob orientação prévia dos professores e em consonância com o currículo escolar. Após ler uma carta codificada, a galerinha assumia a missão de elucidar o mistério da doença da água e seguia para uma peregrinação ao longo de três quilômetros de trilhas dentro da reserva ecológica. Cinquenta alunos por sessão eram divididos em três times, cada um seguindo itinerários diferentes, acompanhados por monitores. Duas frentes exploravam trechos do bosque e a terceira, devidamente protegida por coletes salva-vidas, avançava de escuna por sete quilômetros pelo lago. Inclusiva, a montagem preparara um roteiro especial para pessoas com deficiência.
Durante uma hora e meia a molecada, que calçava botas de borracha e levava protetor solar e repelentes de insetos, enfrentava uma série de perigos e armadilhas. Na misteriosa Floresta Perdida, habitada por estranhas criaturas que a defendiam, fugiam dos terríveis Cranibais ou eram aprisionados por eles em jaulas no meio do mato, embora fossem salvos adiante por outro grupo. A criançada também tinha de decifrar charadas dos feiticeiros Centórmios e protagonizar uma batalha de bexigas de água contra o Doutor Gastão de Águs, o inimigo que queria vender a cura das águas para empresas estrangeiras. Nada disso seria possível se os baixinhos não elaborassem estratégias criativas para chegar até a comunidade dos inteligentes sapo-sapiens.
Como nos trabalhos anteriores da Kompanhia do Centro da Terra, Aguáh - o Espírito das Águas era uma expedição experimental multimídia, desta vez com viés de educação ambiental. O diretor Ricardo Karman idealizou uma versão infantil da jornada do herói em busca de um objetivo que iria lhe proporcionar conhecimento. No caso, os estudantes receberam um chamamento (a carta), partiram da sua aldeia (sala de aula) e embrenharam-se na aventura (floresta). Ao retornar, compartilharam com os seus colegas os ensinamentos absorvidos. Os expedicionários mirins tinham incorporado o papel de protagonistas da história, enquanto o elenco profissional desempenhava uma função coadjuvante.
Além de uma dramaturgia depurada, a mis-en-scène exigiu da direção e dos intérpretes um meticuloso esquema de coordenação e articulação. Na engenhosa arquitetura da encenação, os três núcleos de participantes precisavam chegar simultaneamente ao mesmo ponto, apesar de seguirem rotas distintas. Tratava-se da mesma trama, desenvolvida de três formas e três tempos diferentes, porém em sincronia. E os atores, afora a incumbência de darem existência aos seus personagens, agiam ainda como guias e instrutores.
Toda a ação pedagógica abordava temas importantes como desperdício, poluição, responsabilidade individual e a conscientização de que a água é um bem essencial à vida. Ao final, em uma cerimônia com o povo sapo, a massa líquida vermelha realmente se tornava límpida (truque químico). As crianças recebiam uma ampola com água, que continha em seu interior um papel impermeável com a Declaração Universal dos Direitos da Água.