KOMPANHIA
Teatrokê
2010Disposto a investigar algo ainda não experimentado no panorama teatral brasileiro, sem abrir mão de sua pesquisa permanente de inserir o público no centro da experiência artística, o diretor Ricardo Karman concebeu um espetáculo que convidava o espectador a pisar no palco, dar vida a um personagem e se engajar nos segredos do fazer teatral. Era um formato diferente de uma peça convencional, que tirava a audiência da sua condição contemplativa e lhe oferecia a oportunidade de viver uma noite de gala no teatro. Nesta original montagem da Kompanhia do Centro da Terra, o participante assumia o papel de protagonista de uma encenação real, com som, luz, cenografia e elenco profissional.
No início, um mestre-de-cerimônias com talento suficiente para desarmar os espíritos, descrevia os passos do que ia acontecer. Após a fala inicial, o anfitrião convidava da plateia aqueles que queriam livremente partilhar da vivência e os conduzia aos bastidores do teatro. Ali na coxia, recepcionados como grandes atores e atrizes, com direito a canapés e uma dose de conhaque para relaxar, os então chamados outrokês ouviam uma breve explicação acerca do funcionamento da dinâmica. Nada era-lhes dito sobre a cena que iriam representar naquele momento. Fazia parte do processo adentrar o espaço cênico às cegas.
Com adereços, figurinos e recursos importantes como ponto-eletrônico para auxiliá-lo na interpretação, o espectador-voluntário subia ao proscênio para participar de uma sequência curta pré-montada e completamente ensaiada. Curiosamente observado pelos presentes, ele passava a interpretar o personagem, repetindo falas, marcas e intenções sopradas em seus ouvidos pelos digokês - atores-faladores que já haviam treinado aquela determinada passagem e ficavam escondidos em uma cabine especial instalada em outra dependência do teatro, a partir da qual acompanhavam tudo por vídeo. Os esquetes cômicos, gênero de mais fácil assimilação e entendimento pelo aprendiz, misturavam Shakespeare, Karl Valentin e Ariano Suassuna, além de textos inéditos dos jovens dramaturgos Marcelo Rubens Paiva, Samir Yazbek, Jô Bilac e Fabito Richter.
Tratava-se de um divertido e imprevisível karaokê teatral, com cara de cabaré e vaudeville. As sessões lotadas no teatro do Centro da Terra, onde cumpriu os primeiros sete meses de temporada, nunca se repetiam. Como não existiam regras, avaliações e julgamentos críticos sobre desempenho, a atuação desajeitada era bem-aceita. O “êxito" da performance dependia da leitura que o calouro fazia da situação e da consequente resposta a ela. Sua atitude e expressão estavam relacionadas à sua memória, à velocidade de processamento das informações obtidas e, principalmente, à disposição em imergir na proposta.
De certa forma, esta disponibilidade em querer transgredir a zona de conforto acionava os seus mecanismos espontâneos de reação. E quando isso acontecia, tornava a apresentação lúdica e interativa. Na realidade, a inibição ou timidez do recém chegado era menos importante do que a armadura da auto-censura. Se havia bastante dificuldade em entregar-se, o jogo travava. Caso contrário, escorria de maneira tão natural que a audiência duvidava que o outrokê fosse realmente alguém convidado na hora e não um ator verdadeiro. Visto pela ótica da linguística, a fala induzia o pensamento muito mais do que o seu inverso. A experiência teatral, que expandia as possibilidades de interação entre intérpretes e público, ganhou reportagem especial do jornal japonês Assahi Shimbum. Por sinal, foram os nipônicos que inventaram o Karaokê, em 1971.
Links:
Ficha Técnica
Espetáculo: Teatrokê®
Direção: Ricardo Karman
Textos inéditos: Marcelo Rubens Paiva, Samir Yazbek, Mario Bortoloto e Ricardo Karman.
Textos adaptados: Shakespeare, Karl Valentin e Henrik Ibsen e outros.
Elenco fixo: Yunes Chami, Mário De La Rosa, Vivian Bertocco, Gustavo Vaz, Xande Mello.
Cenografia e adereços: Otavio Donasci
Figurinos: Joana Porto
Iluminação e sonoplastia: Kompanhia do Centro da Terra
Assistente de direção: Bernardo Galegale
Assistente de figurino: Helena Ramos
Produção: Rachel Brumana
Duração: 75 min.
Gênero: comédia
Classificação etária: 14 anos