KOMPANHIA
biliri e o pote vazio
2011Nesta multipremiada montagem, o diretor Ricardo Karman emaranhou linguagens, combinando a milenar técnica chinesa de teatro de sombras com a mais contemporânea ferramenta de animação computadorizada. Ou seja, ele fundiu dispositivos de multimídia com atores reais, que entravam em um telão, viravam sombras (plano bidimensional) e depois voltavam novamente ao palco em contra-luz, como se fossem figuras tridimensionais que haviam escapulido daquele habitat. A plateia dificilmente identificava quando as personagens eram desempenhadas por intérpretes de carne e osso ou eram somente recursos do teatro de sombras. A audiência chegava até a suspeitar da existência de manipuladores por trás da tela de vídeo. O espetáculo mais sugeria que mostrava e trabalhava com oposições: bidimensionalidade x tridimensionalidade, preto-e-branco x colorido, real x ilusão, o lado sombrio das guerras x possibilidade de futuro simbolizado por uma criança.
Apreciada também pelos adultos, a peça encenada no Centro Cultural Banco do Brasil (SP) era uma livre adaptação teatral da lenda chinesa do título, que discutia questões como perseverança, honestidade e amor à natureza. O diretor conhecia a fábula porque durante muitos anos cultivou o hábito de narrá-la aos seus três filhos pequenos, aos quais chamava carinhosamente de Bi, Li e Ri. Na trama, ambientada em um reino devastado pela guerra, um velho imperador da China preparou um desafio para escolher o futuro herdeiro do trono. Ele distribuiu uma semente para cada criança do império e anunciou que o sucessor seria aquele que cultivasse a flor mais bela após um ano.
Encerrado o prazo, o monarca reuniu os candidatos em uma praça e observou que todos carregavam plantas variadas e vistosas, menos um garoto que se apresentou com o pote vazio. Embora apaixonado pela natureza, a ponto de conversar com árvores e flores, Biliri não conseguira realizar a missão. Incentivado pelo pai, o menino revelou ao rei o seu fracasso. Mas, para surpresa de todos, ele acabou vencendo a disputa. Por iniciativa marota do próprio soberano, nenhuma semente poderia mesmo germinar. O que estava em jogo era testar propriamente o grau de honestidade dos participantes.
O grande desafio da Kompanhia do Centro da Terra foi fazer a liga entre as mídias analógicas, digitais, virtuais e reais, de maneira que a narrativa navegasse sem emendas grosseiras entre os elementos bidimensionais (tela usada no espaço cênico para recursos de vídeo e teatro de sombras) e tridimensionais (atores em cena). Tudo deveria acontecer com fluência e naturalidade, preservando a simplicidade inerente ao enredo.
Karman queria que adultos e crianças igualmente, em oposição aos simulacros e virtualidades eletrônicas, se fascinassem por uma experiência presencial e teatralmente envolvente. José de Anchieta criou uma cenografia com dois planos, o real e o virtual, que dialogava com a animação computadorizada de Amir Admoni. A encenação se desenrolava ao som das sonatas de Beethoven, numa fusão musical dos mundos erudito e contemporâneo.
“Eu conheci esta fábula da melhor maneira possível: narrando-a para meus filhos! Várias vezes a li e várias vezes lágrimas sorrateiras vieram-me aos olhos. Tantas vezes fui surpreendido por elas que decidi adaptar a história para o teatro. Lugar ideal para conhecê-la melhor! Pois percebi que, na oralidade, a fábula adquiria a sua maior força e significado. Nas palavras vivas, produzidas no instante, como pão fresquinho…
Fenômeno estranho esse! Estranho aos cidadãos eletrônicos que, como eu, são fascinados pelos simulacros virtuais e velozes do século XXI. Mas esta aparente contradição proporcionou a própria pesquisa do espetáculo: a integração das sombras chinesas e da animação computadorizada com os atores reais. A bidimensionalidade em consonância com a tridimensionalidade; o preto-e-branco opondo-se ao colorido.
O grande desafio era amalgamar as mídias analógicas, digitais, virtuais e reais, de forma que a narrativa navegasse fluida entre elas, sem sobressaltos ou emendas grosseiras; mas, sobretudo, preservando uma certa simplicidade imprescindível à história.
Uma equipe de profissionais talentosos e comprometidos tomou para si essa tarefa; arriscada, sim, pois havia nela muito de imprevisível.
Aventuramo-nos por águas desconhecidas, motivados por uma historinha infantil. A travessia mostrou-se bastante difícil, com muita complexidade técnica e ensaios trabalhosos. No entanto, misteriosamente, o processo nos encantava a cada momento. E compreendi, finalmente, o segredo por trás desta fábula: a delicada magia de disponibilirizar-se…
Bom espetáculo!”
Ricardo Karman
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FICHA TÉCNICA
direção e concepção geral: RICARDO KARMAN
texto: RICARDO KARMAN livremente inspirado na fábula chinesa “O Pote Vazio”
direção de animação e sombras: AMIR ADMONI
cenografia e figurinos: JOSÉ DE ANCHIETA
assistente de direção: BERNARDO GALEGALE
ELENCO:
FLAVIO TOLEZANI – Imperador, Xang Xú, Sr. Pô (voz) e Sra Mei (voz)
MARIO DE LA ROSA – Carteiro, Ministro (voz), Arauto e Pai
PAULA ARRUDA / NATHÁLIA GUILLEN– Biliri
ELLEN REGINA – Zy (voz)
iluminação: DENILSON MARQUES
preparação Vocal: MÔNICA MONTENEGRO
trilha Sonora: RICARDO KARMAN e BERNARDO GALEGALE
flores infláveis: CARLOS DELFINO
flores eletromecânicas: RICARDO KARMAN
adereços de cena: GILBERTO DE OLIVEIRA
caracterização: WESTERLEY DORNELLAS / CAMARIM BRASIL
assistente de Caracterização: LILIAN AKIMI
cenotécnica: FERNANDO BRETTAS
contrarregras: ELLEN REGINA, JAQUELINE KUBOSKY e ALEX DUARTE
operação de animação e sombras: ELENCO
operação multimídia: BERNARDO GALEGALE
operação de luz: DENILSON MARQUES
operação de som: BERNARDO GALEGALE
costureira: LANDI FIGURINOS
chapeus: DAISY E RUTH – CHAPEUS E GRINALDAS
projeto gráfico: KEREN ORA KARMAN
elaboração de projeto para editais: ADRIANO RIZK
consultoria técnica de engenharia: GIOVANNI FOIS
fotógrafo: SÉRGIO MARREIRO
assessoria de imprensa: ELIANE VERBENA
coordenação de produção: SILVIA RODRIGUES
ANIMAÇÃO DAS SOMBRAS
ilustração e cenário de sombras: LEONARDO GIBRAN
composição e finalização: AMIR ADMONI e FERNANDO LEAL
animação de marionetes: BIRDO STUDIO
direção de animação das marionetes: LUCIANA EGUTI e PAULO MUPPET
assistente de produção Birdo: FLÁVIA RIBEIRO DA LUZ
animação de marionetes: ANTÔNIO LINHARES, GUSTAVO TEIXEIRA, LUCIANA EGUTI, PAULO MUPPET, PEDRO EBOLI, RAFAEL GALLARDO
realização: CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL
produção: KOMPANHIA DO CENTRO DA TERRA